INFORMALIDADE E RECOMPOSIÇÃO DO ESTADO: o tratamento da pobreza urbana nos municípios da Beira de Mueda

  • Egídio Guambe Faculdade de Letras e Ciências Sociais, Universidade Eduardo Mondlane (UEM)
Palavras-chave: Estado, informalidade, mercados e arenas políticas, pobreza

Resumo

Este artigo examina as formas de tratamento das actividades categorizadas como informais nos municípios da Beira e Mueda. Trata-se de um estudo exploratório que, a partir de metodologias qualitativas, procura demonstrar que a natureza da relação entre a administração municipal e os vendedores informais, convertidos em “informais formalizados”, e colocados em “mercados informais”, reforça a presença do Estado via tácticas de sobrevivência quotidiana das populações. Uma grande parte da literatura, sobretudo africanista, vê nas actividades informais, fragilidade e incapacidade do Estado em se impor e manter uma ordem burocrática nas zonas urbanas. O artigo sustenta que o tratamento da informalidade, a sua negociação para “administratificação” pelas autoridades públicas, ilustra uma nova modalidade de exercício de poder, não mais definido em termos verticais, de imposição de actos administrativos unilaterais. Doravante, a força do Estado define-se pela sua capacidade em criar dispositivos subtis (como a política de combate à pobreza urbana) de identificação de potencial no cidadão, colocando-o simultaneamente em colaboração com as instâncias públicas e privadas.

Referências

ALIANZA POR LA SOLIDARIDAD. Relatório do Diagnóstico e prognóstico dos Recursos Humanos do Conselho Municipal da Vila de Mueda. Mueda, Conselho Municipal da Vila de Mueda, 2014.
BACH, D.; GAZIBO, M. Neopatrimonialism in Africa and beyond. New York: Routledge, 2012.
BARREAU-TRAN, L. Émergence économique des femmes et négociation des rapports de genre au Mozambique. Afrique Contemporaine, v. 4, n. 244, p.120–121, 2012.
BAYART, J.-F. The State in Africa. Cambridge: Polity Press, 2009.
BIERSCHENK, T. & OLIVIER DE SARDAN, J.-P. States at work: dynamics of African bureaucracies. Leiden: Brill, 2014.
BODSON, P. & ROY, P.-M. Survivre dans les pays en développement: approches du secteur informel. Paris: Harmattan, 2003.
BRITO, L. (org.), Agora eles têm medo de nós! Uma colectânea de textos sobre revoltas populares em Moçambique (2008-2012). Maputo: IESE, 2018.
CAHEN, M. État et pouvoir populaire dans le Mozambique indépendant. Politique Africaine, no 19, p. 36–60, 1985.
CHABAL, P. & DALOZ, J-P. L’Afrique est partie ! Du désordre comme instrument
politique. Paris: Economica, 1999.
CHIVANGUE, A. Economia informal e políticas em Moçambique: lógicas e práticas dos Mukheristas. working Paper, ISEG - CEsA, 2014.
CHIZIANE, E. The trends of recentralization of the administrative power in Mozambique. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane, 2011.
COLLON, M. & LATOUR, B. Unscrewing the Big Leviathan; or How actors macrostructure reality and how sociologists help to do so ? in: CETINA, K. e CICOUREL, A. (ed.). Advances in Social Theory and Methodology: Toward an Integration of Micro- and Macro-Sociologies. Boston: Routledge, 1981, p. 277–303.
CONSELHO MUNICIPAL DA BEIRA. Linhas mestres para o plano estratégico de desenvolvimento Municipal da Cidade da Beira. Beira: Conselho Municipal da Beira, 2010.
CONTE, B. La tiers-mondialisation de la planète. Pessac: Presses Univiversitaire de Bordeaux, 2009.
DARBON, D. L’État prédateur. Politique Africaine, no 39, p. 37–45, 1990.
DARBON, D. Culture administrative en Afrique: l construction historique des significations
du “phonomène bureaucratique”. Caderno de Estudos Africanos, v.1, n.3, pp. 65-92, 2002
DARBON, D. & TOULABOR, C.M. L’invention des classes moyennes africaines: enjeux politiques d’une catégorie incertaine. Paris: Éditions Karthala, 2014.
DINERMAN, A. Revolution, Counter-Revolution and Revisionism in Postcolonial Africa: The case of Mozambique, 1975-1994. London:  Routledge/Taylor & Francis Group, 2006.
DUPUY, F., Thoenig, J.-C. L’administration en miettes, L’Espace du politique. Paris: Fayard, 1985.
FRANCISCO, A. & PAULO, M. Impacto da economia informal na protecção social, pobreza e exclusão: a dimensão oculta da informalidade em Moçambique. Maputo: Centro de Estudo Africanos e Cruzeiro do Sul, 2006.
MOÇAMBIQUE. GABINETE DE IMPRENSA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Armando Guebuza em presidência aberta. Maputo: Gabinete de Estudos da Presidência da República, 2009.
GOODSELL, C.T. The Public encounter: where state and citizen meet. Bloomington: Indiana University Press. 1981
GUAMBE, E. Réformer l’administration pour renégocier la centralité de l’Etat: une analyse à partir du cas des municipalités de Beira, Mueda et Quissico (Mozambique). 2016. Tese de Doutoramento em Ciência Política, Université de Bordeaux, 2016
GUPTA, A. Red Tape: Bureaucracy, Structural Violence, and Poverty in India. Durham: Duke University Press Books. 2012.
GUPTA, A. blurred boundaries: the discourse of corruption, the culture of politics, and the imagined state. American Ethnologist, v. 22, p. 375–402, 1995.
HAGMANN, T. & PÉCLARD, D. Negotiating statehood: dynamics of power and domination in Africa. West Sussex: Wiley-Blackwell, 2011.
HAMMOND, A.L. & PRAHALAD, C.K. Selling to the Poor. Foreign Policy, n.42, p. 30–37, 2004.
HERDT, T.D. & SARDAN, J.-P.O. Real Governance and Practical Norms in Sub-Saharan Africa: The game of the rules. London:  Routledge, 2015.
HERMELE, K. Guerra e estabilização : uma análise a médio prazo do Programa de Reabilitação económica de Moçambique (PRE). Revista Internacional de Estudos Africanos, v. 9, n.8, p. 33– 349, 1988.
HONWANA, A.M. The time of youth: work, social change, and politics in Africa. Colorado: Sterling Kumarian Press, 2012.
JACKSON, R. e ROSBERG, C. Why Africa’s Weak States Persist: The Empirical and the Juridical in Statehood. World Politics, v.35, n.1, p. 1–24, , 1982.
LACHARTRE, B. Enjeux urbains au Mozambique: de Lourenço Marquès à Maputo. Paris: Karthala, 2000.
LAUTIER, B. L’Économie informelle dans le Tiers Monde. La Découverte, Paris, 2004.
LIPSKY, M. Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Service. New York: Russell Sage Foundation, 2010.
MARTIN, D.-C. À la quête des OPNI (objets politiques non identifiés). Comment traiter l’invention du politique ? Revue Francaise Science Politique, v.6, n.39, p.793–815, 1989.
ORRE, A. & FORQUILHA, S. Uma iniciativa condenada ao sucesso: O fundo distrital dos 7 milhões e suas consequências para a governação em Moçambique. In WEIMER, B. (Coord.) Moçambique: Descentralizar o Centralismo? Economia Política, Recursos e Resultados. Maputo: IESE, 2012, pp. 168‑196.
PITCHER, M.A. Transforming Mozambique: the politics of privatization, 1975-2000. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
PRAHALAD, C.K. The fortune at the bottom of the pyramid. Upper Saddle River: Wharton School Publishing, 2005.
QUEMBO, C. O poder do poder: Operação Produção e a invenção dos “improdutivos”
urbanos em Moçambique socialista, 1983-1988. Maputo: Alcance, 2017.
ROSÁRIO, D. Os Municípios dos “Outros”: Alternância do poder local em
Moçambique? O caso de Angoche. Cadernos de Estudos Africanos, v.1, n. 30,
p. 135‑165, 2015.
SAÚTE, N. Crônica de uma Integração Imperfeita: o caso da privatização da gestão dos Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (2000-2005). (Dissertação Mestrado em Sociologia) – Curso de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
SCHLICHTE, K. The dynamics of States: the formation and crises of State domination. Ashgate: Routledge, 2005.
SCHWITTAY, A. The Marketization of Poverty. Current Anthropology, v.52, n.?, p. 71–82, 2011.
SEN, A. Development as Freedom. New York: Anchor, 2000.
SUMICH, J. The Uncertainty of Prosperity: dependence and the politics of Middle-Class Privilege in Maputo. Ethnos, v. 81, n 5, p.1–21, 2015.
VIVET, J. Déplacés de guerre dans la ville: la citadinisation des deslocados à Maputo. Paris: Karthala, 2012.
WACQUANT, L.J.D. Punishing the poor: the neoliberal government of social insecurity, Politics, history, and culture. Durham: Duke University Press, 2009.
WEIMER, B. Moçambique: descentralizar o centralismo: economia política, recursos, e resultados. Maputo: Instituto de Estudos Sociais e Económicos, 2012.
WUYTS, M. Gestão económica e política de reajustamento em Moçambique. Estudos Moçambicanos, n.8, p. 97–124, 1990.
Publicado
2025-04-18
Secção
Artigos