VULNERABILIDADE E IMPACTOS DO ADOECIMENTO: experiências de mulheres com Fístula Obstétrica em Moçambique

Autores

  • Lúcia Helena Guerra Centro de Ciências da Saúde e Instituto de Estudos da África da Universidade Federal de Pernambuco (IEAf-UFPE)

Palavras-chave:

Adoecimento, Fístula Obstétrica, Moçambique, vulnerabilidade

Resumo

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre os impactos da vulnerabilidade, imersos na experiência de adoecimento, no contexto da Fístula Obstétrica em Moçambique. Através das narrativas de mulheres que convivem com a doença, buscamos identificar os sentidos e as estratégias construídas para enfrentar os inúmeros obstáculos, não apenas económicos, mas também sociais e morais. Existem questões transversais que perpassam de modo mais ou menos marcado as suas experiências. Estigma, risco, incerteza, vergonha e maternidade foram alguns dos tópicos recorrentes nas falas, tanto das pacientes, como dos profissionais de saúde, anunciando um amplo campo de sentidos a ser investigado. Os resultados também enfocam aspectos marcantes dos impactos físicos com a perda contínua de urina e as estratégias cotidianas para enfrentar e esconder a doença. As categorias vulnerabilidade e gênero são à base deste trabalho, uma vez que a construção social do conceito de gênero em Moçambique está baseada na submissão das mulheres. Isso, então, acaba influenciando a vulnerabilidade feminina à infecção pelo HIV, à carência no uso de métodos contraceptivos e à falta de poder de decisão em relação à maternidade segura. A busca de uma intersecção demonstra que a componente da vulnerabilidade possui reflexos na constituição do microssistema da Fístula Obstétrica, o que reafirma a importância de se visualizar estas mulheres como constructo do ambiente onde transcorre sua existência. Desta forma, entendemos que uma abordagem etnográfica que leve a sério as especificidades dessas questões pode contribuir para a maneira de pensar a saúde e a doença em Moçambique.

Referências

AHMED, S.; HOLTZ, S. Social and economic consequences of obstetric fistula: Life changed forever? International Journal of Gynecology and Obstetrics Nº 99, 2007.

AMALIQUE, A.J. Estudo do tratamento de Fístulas Vesico-vaginais no Hospital Provincial de Quelimane.TCC (Graduação) - Curso de Licenciatura em Cirurgia, Instituto Superior de Ciências de Saúde, Maputo, 2008.

ARROWSMITH, S; RUMINJO, J. e LANDRY, E. Current practices in treatment of female genital fistula: a cross sectional study. BMC Pregnancy and Childbirth, nº 10 (73). 2010.

AYRES, J. R. C. M.HIV/aids, DST e abuso de drogas entre adolescentes. Vulnerabilidade e avaliação de ações preventivas. São Paulo: Casa de Edição, 1996.

BROWNING, A.; FENTAHUN, W. e GOH, J.T.W. The impact of surgical treatment on the mental health of women with obstetric fistula. British Journal of Obstetrics and Gynecology. Nº 114.1439–41. 2007.

BURY, M. Chronic illness as biographical disruption. Sociology of health and illnes, v. 4, n.2, pp. 167-182, 1982.

BOURDIEU, P. Language and Symbolic Power. Org. by John B. Thompson. Cambridge, Mass.: Harvard University, 1991.

BUTLER, J. Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do pós-modernismo. Cadernos Pagu, n. 11, p. 11-42, 1998.

DONNELLY, K; OLIVERAS, E; TILAHUN, Y; BELACHEW, M; ASNAKE, M. The quality of life of Ethiopian women after fistula repair: Implications on rehabilitation and social reintegration policy and programming. Cult Health Sex. nº 17(2). P. 150-64. 2015.

DUARTE, L.F.D. Indivíduo e pessoa na experiência da saúde e da doença. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.8, n.1, p.173-183, 2003.

EARLE, S.; LETHERBY, G. Introducing Gender, Identity and Reproduction. In: EARLE, S.; LETHERBY, G. (Org). Gender, identity and reproduction: social perspective. New York: Palgrave Macmillan, 2003.

ESTAVELA, A.J. e SEIDL, E.M.F. Vulnerabilidades de gênero, práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo. Psicologia & Sociedade, 27(3), p. 569-578, 2015.

FAÉ, G. e ZINANI, C.J.A.Maternidade em As Parceiras, de Lya Luft: Destino Cultural Feminino. Cerrados, v. 1, p. 213- 227, 2011.

FIALHO, J. A eficácia simbólica nos sistemas tradicionais de saúde.Cadernos de Estudos Africanos (Online), nº 4. 2003. Disponível em: http://cea.revues.org/1567.

FONSECA, R.M.G.S. Eqüidade de gênero e saúde das mulheres. Revista da Escola de Enfermagem da USP. Volume 39, nº 4, p 450-459, 2005.

FRANK, A. The wounded storyteller: body, illness and ethics. Chicago/Londres, The University of Chicago Press, 1995.

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1975.

GOMES, A.M.A.; NATIONS, M.K.; LUZ, M.T. Pisada como pano de chão: experiência de violência hospitalar no Nordeste brasileiro. Saúde soc. [online]. vol.17, n.1, p.61-72, 2008.

HAMERSKI, M.G. et al. Fístulas Urogenitais. 2006. Disponível em: http://uroginecologia.com.br/index/?q=node/17

KHISA, A.M. & NYAMONGO, I.K. Still living with fistula: an exploratory study of the experience of women with obstetric fistula following corrective surgery in West Pokot, Kenya. Reproductive Health Matters, nº 20(40), p.59–66, 2012.

KLEINMAN, A. The meaning context of illness and care: reflections on a central theme in the Anthropology of Medicine. In: ELKANAY, E.; MENDELSOHN, E. (Ed.) Sciences and cultures sociology. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1981. p. 161-176.

LAVANDER, T; WAKASIAKA, S; MCGOWAN, L; MORAA, M; OMARI, J e KHISA, W. Secrecy inhibits support: A grounded theory of community perspectives of women suffering from obstetric fistula, in Kenya.Midwifery. Nº 42. P. 54-60. 2016

LOFORTE, A.M. Práticas culturais em relação à sexualidade e representações sobre saúde e doença. Maputo: CEP/FLECS/UEM, 2003.

LOPES, A.A.F. Cuidado e Empoderamento: a construção do sujeito responsável por sua saúde na experiência do diabetes. Saúde Soc. São Paulo, v.24, n.2, p.486-500, 2015.

LOURENCO, M.A.E.; TYRRELL, M.A.R. Programas de saúde materno-infantil em Moçambique: marcos evolutivos e a inserção da enfermagem. Esc. Anna Nery [online]. vol.13, n.3, pp.617-624, 2009.

LUZ, M. T. As instituições médicas no Brasil: instituições e estratégias de hegemonia. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

MAÚNGUE, H.B. Mulher moçambicana: cultura, tradição e questões de gênero na feminização do HIV/SIDA. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, nº 28(1), 2020.

MASANA, L. Invisible chronic illnesses inside apparently healthy bodies. In: FAINZANG, S. e HAXAIRE, C. Of Bodies and Symptoms. Anthropological Perspectives on their Social and Medical Treatment. Tarragona: Publicacions URV. 2011.

MILLER, S.; LESTER, F. et al. Obstetric Fistula: A Preventable Tragedy. American College of Nurse-Midwives. Volume 50, Nº. 4, July/August 2005.

MSELLE, L.T.; EVJEN-OLSEN, B.; MOLAND, K.M.; MVUNGI, A. e KOHI, T.W. “Hoping for a Normal Life Again”: Reintegration After Fistula Repair in Rural Tanzania. J Obstet Gynaecol Can 2012;34(10):927–938.

MUCHANGA, S. Uma tragédia que isola as mulheres. Jornal Savana, 25 de março de 2011. Seção Saúde.

OSÓRIO, C. Algumas reflexões sobre a abordagem de género nas políticas públicas sobre o HIV/SIDA. Boletim Outras Vozes, nº 6, 2004.

OSÓRIO, C. Identidades sociais/identidades sexuais: uma análise de gênero. Boletim Outras Vozes. Nº 17. 2006.

OSÓRIO, C.; MACUÁCUA, E. Os ritos de iniciação no contexto actual: Ajustamentos, rupturas e confrontos construindo identidades de género. WLSA Moçambique. Maputo, Julho de 2013.

PASSADOR, L. Guerrear, casar, pacificar, curar: O universo da "tradição" e a experiência com o HIV/AIDS no distrito de Homoíne, sul de Moçambique. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, Campinas, 2011.

SILVA, C.M.; VARGENS, O.M.C. A percepção de mulheres quanto à vulnerabilidade feminina para contrair DST/HIV. Revista da Escola de Enfermagem da USP. Volume 43, Nº. 2, 2009.

TIMBANE, A.; BERLINCK, R. A influência da língua portuguesa nas línguas bantu faladas em Moçambique: o caso da língua xichangana. Inter DISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies. v. 8, p. 105 – 125, 2019.

UNFPA. Unidos vamos eliminar a Fístula Obstétrica em Moçambique. UNFPA e Ministério da Saúde de Moçambique (Folheto): Maputo, 2012. Disponível em: http://countryoffice.unfpa.org/mozambique/drive/BROCHURA_FISTULA_19_09_12.pdf.

UNFPA AND ENGENDER HEALTH. Obstetric Fistula – Needs assessment report: Findings from nine african countries. United Nations Population Fund. New York, 2003. Disponível em: https://www.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/fistula-needs-assessment.pdf.

VAZ, I. A Fístula Obstétrica e a situação em Moçambique. Revista Outras Vozes, nº 33-34, Fevereiro-Maio de 2011.

VIEIRA, L.R.V. e MAFRA, L.A.S. Humanização hospitalar e violência simbólica: a percepção das mães em UTIs Neonatais. Tempus, actas de saúde coletiva, Brasília, 10(3), 99-114, set, 2016.

WEBER, M. Três tipos puros de poder legítimo.1922. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/weber_3_tipos_poder_morao.pdf

WESTON, K.; MUTISO, S.; MWANGI, J.; QURESHI, Z.; BEARD, J. e VENKAT, P. Depression among Women with Obstetric Fistula in Kenya. International Journal of Gynecology & Obstetrics 115, nº 1, p. 31–33, 2011.

WILSON, S.; SIKKEMAA, K.; WATT, M. e MASENGA, G. Psychological Symptoms Among Obstetric Fistula Patients Compared to Gynecology Out patients in Tanzania. Int J Behav Med. Nº 22(5): 605–613. 2015.

WLSA. Omitidas: Mulheres com Fístula Obstétrica em Moçambique. WLSA (Brochura): Maputo, 2011.

YEAKEY, M.P.; CHIPETA, E.; TAULO, F. e TSUI, A.O. The lived experience of Malawian women with obstetric fistula. Culture, Health & Sexuality, 11:5, P. 499-513. 2009.

ZELEKE, B.M.; AYELE, T.A.; WOLDETSADIK, M.A.; BISETEGN, T.A. e ADANE, A.A. Depression among women with obstetric fistula, and pelvic organ prolapse in northwest Ethiopia. BMC Psychiatry. 13:236. 2013.

##submission.downloads##

Publicado

2021-04-14

Como Citar

Guerra, L. H. . (2021). VULNERABILIDADE E IMPACTOS DO ADOECIMENTO: experiências de mulheres com Fístula Obstétrica em Moçambique. Revista Científica Da UEM: Série Letras E Ciências Sociais, 2(1). Obtido de http://revistacientifica.uem.mz/revista/index.php/lcs/article/view/125

Edição

Secção

Artigos